PENHORABILIDADE DE SALÁRIO NO CPC/2015

A execução civil, de modo geral, sempre se pautou pela busca do equilíbrio entre os princípios da efetividade (satisfação do credor-exequente que, no cumprimento de sentença, por exemplo, já enfrentou a demorada fase de conhecimento e ainda não conseguiu o bem da vida pretendido) e da menor onerosidade possível (garantir que os meios expropriatórios disponíveis não afrontem a dignidade do devedor-executado).

            Nesse sentido é que, de maneira bastante salutar, o CPC/2015 flexibiliza ainda mais a ultrapassada regra da impenhorabilidade praticamente absoluta do salário (v. CPC/1973, art. 649 – a sistemática anterior excepcionava a regra somente para o pagamento dívida alimentar), permitindo-se a penhora parcial nos casos de pagamento de prestação alimentícia (sejam, os alimentos, familiares ou indenizatórios, frise-se), bem como das quantias salariais mensais que ultrapassem 50 salários-mínimos em qualquer execução (cf. art. 833, inciso IV e §2º).

            Ora, de fato, uma coisa é a subsistência do executado depender exclusivamente do pouco que ganha – mesmo assim sujeito a desconto para pagamento parcelado da dívida alimentar e das prestações vincendas até o limite máximo de 50% dos seus ganhos líquidos (cf. CPC, art. 529, §3º).

            Outra, bem diferente, é ganhar um salário que ultrapassa as suas necessidades básicas mensais. Nessa última hipótese, por qual razão o valor excedente seria impenhorável?

            Daí a correta crítica doutrinária no sentido de que o piso de 50 salários mínimos mensais como parâmetro para o início da penhorabilidade do salário na execução civil, embora represente um avanço histórico (já que o CPC/1973, como se viu, simplesmente dizia ser impenhorável qualquer quantia recebida a título de salário), acaba protegendo um patrimônio que atualmente seria de R$47.700,00 que, certamente, na maior parte dos casos, excede – e muito –, as necessidades básicas mensais de um ser humano.

            Nas palavras de Bruno Garcia REDONDO, “O §2º do art. 833 traz significativa inovação no plano legislativo. Pela primeira vez, passa a constar, expressamente, do texto de um Código de Processo Civil Brasileiro, a possibilidade de penhora de parte da remuneração do executado em sede de qualquer execução, ainda que não alimentar: permite-se a penhora dos ganhos do executado que excederem a 50 salários mínimos mensais. (…) Ainda que seja elogiável a moção do legislador de deixar claro que parte da remuneração do devedor pode ser penhorada, mesmo quando o crédito não tiver natureza alimentar, não foi feliz a fixação do ‘teto’ da impenhorabilidade em 50 salários mínimos, valor esse elevadíssimo. Melhor teria sido o texto legal não prever valores, percentuais etc., deixando a critério do juiz, à luz do caso concreto, identificar o mínimo essencial à subsistência digna do executado e estipular o patamar a partir do qual se tornam plenamente penhoráveis os ganhos do devedor. Afinal, a impenhorabilidade não pode chegar ao extremo de frustrar a efetividade da tutela jurisdicional.” (In. Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil, São Paulo: RT, 2016, p. 2016).

            Em resumo: esse parâmetro de impenhorabilidade deveria ser menor ou, simplesmente, não existir, permitindo que o magistrado, no caso concreto, analise qual quantia salarial pode ser penhorada, em prestígio à efetividade executiva, sem levar o executado à miséria.

            E mais: independentemente da origem do débito (alimentar ou não).

            E parece ter sido exatamente esse o entendimento da 3ª Turma do STJ que, embora aplicando o CPC/1973, recentemente decidiu, no julgamento do REsp 1.658.069/GO, sob a relatoria da Min. Nancy Andrighi, manter a decisão do Tribunal de Justiça de Goiás, que flexibilizou a regra da impenhorabilidade salarial para pagamento de dívidas não alimentares, contida no art. 649 do CPC/73 (art. 849 do novo Código): “DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. PENHORA DE PERCENTUAL DE SALÁRIO. RELATIVIZAÇÃO DA REGRA DE IMPENHORABILIDADE. POSSIBILIDADE. 1. Ação ajuizada em 25/05/2015. Recurso especial concluso ao gabinete em 25/08/2016. Julgamento: CPC/73. 2. O propósito recursal é definir se, na hipótese, é possível a penhora de 30% (trinta por cento) do salário do recorrente para o pagamento de dívida de natureza não alimentar. 3. Em situações excepcionais, admite-se a relativização da regra de impenhorabilidade das verbas salariais prevista no art. 649, IV, do CPC/73, a fim de alcançar parte da remuneração do devedor para a satisfação do crédito não alimentar, preservando-se o suficiente para garantir a sua subsistência digna e a de sua família. Precedentes. 4. Na espécie, em tendo a Corte local expressamente reconhecido que a constrição de percentual de salário do recorrente não comprometeria a sua subsistência digna, inviável mostra-se a alteração do julgado, uma vez que, para tal mister, seria necessário o revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos, inviável a esta Corte em virtude do óbice da Súmula 7/STJ. 5. Recurso especial conhecido e não provido”. (STJ, REsp 1658069/GO, 3ª T., j. 14.11.2017, rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 20.11.2017).

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