Hoje trataremos brevemente de uma das novidades trazidas pelo Novo Código em relação aos poderes do juiz: o dever-poder geral de efetivação contido no inciso IV do art. 139.
Dispõe expressamente o referido dispositivo que: “O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: (…) IV – determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária; (…)”.
Há, efetivamente, uma mudança de paradigma a partir desse dispositivo.
As medidas atípicas de coerção que, no vigente CPC/73, estão previstas nos arts. 461, §5º e 461-A, §3º para os casos de cumprimento de sentença envolvendo obrigações de fazer, não fazer e entrega de coisa, foram, de certo modo, generalizadas como um verdadeiro dever-poder geral de efetivação do juiz pelo art. 139, IV, do NCPC, independentemente da natureza da obrigação consubstanciada no título executivo.
Nesse sentido é a observação de Cássio Scarpinella BUENO: “Trata-se de regra que convida à reflexão sobre o CPC de 2015 ter passado a admitir, de maneira expressa, verdadeira regra de flexibilização das técnicas executivas, permitindo ao magistrado, consoante as peculiaridades do caso concreto, modificar o modelo preestabelecido pelo Código, determinando a adoção, sempre de forma fundamentada, dos mecanismos que se mostrem mais adequados para a satisfação do direito, levando em conta as peculiaridades do caso concreto. Um verdadeiro ‘dever-poder geral executivo’, portanto. Aceita essa proposta – que, em última análise, propõe a adoção de um modelo atípico de atos executivos, ao lado da tipificação feita pelos arts. 513 a 538, que disciplinam o cumprimento de sentença, e ao longo de todo o Livro II da Parte Especial, voltado ao processo de execução –, será correto ao magistrado flexibilizar as regras previstas naqueles dispositivos codificados consoante se verifiquem insuficientes para a efetivação da tutela jurisdicional.
Chama a atenção neste inciso IV do art. 139, ademais, a expressa referência às ‘ações que tenham por objeto prestação pecuniária’, que convida o intérprete a abandonar (de vez, e com mais de dez anos de atraso) o modelo ‘condenação/execução’, que, até o advento da Lei n. 11.232/2005, caracterizou o modelo executivo do CPC de 1973 para aquelas prestações e suas consequentes ‘obrigações de pagar quantia’. Até porque, com relação às demais modalidades obrigacionais, de fazer, não fazer e de entrega de coisa, esta atipicidade já é conhecida pelo direito processual civil brasileiro desde o início da década de 1990. Primeiro com o art. 84 da Lei n. 8.078/1990 (Código do Consumidor) e depois, de forma generalizada, pela introdução do art. 461 no CPC de 1973 pela Lei n. 8.952/1994.” (Manual de direito processual civil, São Paulo: Saraiva, 2015, p. 165).
Não se pode, pois, admitir que um devedor contumaz, sujeito passivo de diversas execuções, utilize de subterfúgios tecnológicos e ilícitos para esconder seu patrimônio e frustrar os seus credores.
Há mais de 10 anos, Olavo de OLIVEIRA NETO escreveu que seria possível ao juiz estabelecer algumas formas de restrições na esfera de direitos do devedor, “como a suspensão de licença para conduzir veículos automotores. (…) Ora, quem não tem dinheiro para pagar o valor que lhe é exigido na execução, nem tem bens para garantir tal atividade, também não tem dinheiro para ser proprietário de veículo automotor, e, por isso, não tem a necessidade de possuir habilitação. Com isso, suspender tal direito só viria a atingir aqueles que, de modo sub-reptício, camuflam a existência de patrimônio com o deliberado fim de fugir à responsabilidade pelo pagamento do débito. (…) nada impede que aquele que necessita exercer tal direito para sua sobrevivência, como é o caso do motorista profissional, solicite ao juiz o afastamento da limitação de direitos. Nesta hipótese, porém, inverte-se o ônus da prova no processo (…).” (Novas perspectivas da execução civil – Cumprimento da sentença. In. SHIMURA, Sérgio; e NEVES, Daniel Amorim Assumpção – coords. – Execução no processo civil: novidades & tendências. São Paulo: Método, 2005, p. 197).
Em boa hora serão retomadas as discussões sobre a atipicidade das medidas executivas e sobre a efetividade da execução civil, estampada como meta já no art. 4º do NCPC (“As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”).